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Grupo de Estudos

16/10/2017 – GE sobre texto “O Público e o Privado” de Flavia Biroli

O encontro de hoje foi dedicado ao Grupo de Estudos sobre o texto “O Público e o Privado” de Flavia Biroli. Vários pontos do texto foram levantados e geraram discussão sobre temas mais amplos, mostrando a complexidade do tema.

 

Em relação à dualidade esfera pública e privada:

  • Flavia aponta a necessidade de expor a história não contada da CONSTRUÇÃO DA ESFERA PÚBLICA a partir da POSIÇÃO DAS MULHERES. Segundo a autora, a política das relações de poder começa na VIDA COTIDIANA.
  • De acordo com o conceito de que esfera pública baseia-se na RAZÃO e na IMPESSOALIDADE e esfera privada corresponde às relações de caráter PESSOAL e ÍNTIMO, a domesticidade feminina foi cultivada culturalmente para manter esta dualidade. Tal domesticidade foi cunhada de modo a parecer um TRAÇO NATURAL E FISIOLÓGICO das mulheres, frente ao qual qualquer outra característica era considerada DESVIO DE COMPORTAMENTO.
  • A esfera privada foi “protegida” da intervenção do Estado, preservando relações autoritárias que limitaram a autonomia das mulheres. A garantia de privacidade para o domínio familiar e doméstico garantiu a dominação masculina e bloqueou a proteção a indivíduos mais vulneráveis nas relações de poder correntes – como mulheres e crianças. A esfera privada é vista como lugar onde a justiça comum não se aplica porque envolve RELAÇÕES DE AFETO.
  • Mas é a dominação da mulher na esfera privada que garante o sucesso do homem na esfera pública. Sem falar na AUSÊNCIA DE CIDADANIA E DE DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA que sofrem mulheres expostas a abusos e estupros no casamento. Seus corpos não lhes pertencem: são passados da dominação paterna à do marido na cerimônia do matrimônio.

 

Em relação aos horizontes limitados:

  • “Relações mais justas na vida doméstica permitiriam ampliar o horizonte de possibilidades das mulheres, com impacto em suas trajetórias pessoais e formas de participação na sociedade”. Nas relações familiares há diferença na divisão das responsabilidades sobre a vida doméstica (pesando mais sobre as meninas) e dos estímulos que favorecem maior exercício da autonomia (mais dirigidos aos meninos).
  • A falta de mulheres na vida pública reduz a possibilidade de que se discutam e avancem em questões como CUIDADO COM AS CRIANÇAS, CUIDADO COM IDOSOS, VIOLÊNCIA E DOMINAÇÃO DE GÊNERO.
  • As barreiras para que mulheres exerçam trabalho remunerado fora de casa são associadas ao TEMPO QUE AS MESMAS GASTAM NA ESFERA DOMÉSTICA (Didier Marc Garin contou, quando esteve no Brasil, que na França as mulheres recebem 25% menos que homens na mesma função por sua “suposta” menor dedicação à empresa devido aos afazeres doméstico e familiares. Ainda que isso não se comprove na prática).
  • A mesma justificativa permite aos homens ter mais acesso a trabalhos de grande dedicação e responsabilidade na empresa, pois SUPÕE-SE QUE SEJAM LIVRES PARA ATENDER A EXIGÊNCIAS PROFISSIONAIS.
  • As expectativas sociais conduzem a desenvolvimentos de habilidades diferenciadas para homens e mulheres. Mulheres são orientadas para a CONQUISTA DO CASAMENTO (e há todo um mercado de consumo para que disputem o parceiro que lhes garantirá suporte econômico).

 

Em relação ao mundo corporativo:

  • “O mundo do trabalho se estruturou com o pressuposto de que os ‘trabalhadores’ têm esposas em casa”. O controle dos recursos ficou a cargo dos homens, ainda que o resultado de seu trabalho conte com a dedicação das mulheres.
  • Por outro lado, a atuação das mulheres na prática do cuidado é vista como formadora de uma ÉTICA DISTINTA (isso pode ser visto nas urnas, quando vota-se em mulher POR SEU CARÁTER e não por sua CAPACIDADE DE GESTÃO).
  • Algumas feministas apontam também a desvalorização do trabalho doméstico frente ao assalariado, o que nem sempre é real. Muitas mulheres da classe trabalhadora são exploradas, recebem menos que o salário mínimo e poucos benefícios. NEM SEMPRE TRABALHAR FORA DE CASA É SINÔNIMO DE PROJEÇÃO E INDEPENDÊNCIA. “A FAMÍLIA PODE SER UM REFÚGIO PARA INDIVÍDUOS QUE SOFREM DISCRIMINAÇÃO NA SOCIEDADE MAIS AMPLA”.

 

Em relação às privacidades seletivas:

  • Privacidades tem sentidos diferentes conforme a posição do indivíduo nas relações de poder:

HOMENS BRANCOS têm privacidade no espaço público (escritórios com portas fechadas e controle sobre quem tem acesso)

MULHERES BRANCAS DE CLASSE MÉDIA podem usar tempo livre – já que outras mulheres (pobres) fazem o serviço doméstico para elas – para atuar na esfera pública. Os eletrodomésticos e maquinário também ajudam as mulheres de classe média

  • Na esfera pública, privacidade pode depender de um menor grau de privatização, ou, da SOCIALIZAÇÃO DAS TAREFAS DOMÉSTICAS (como pensado por Lênin na Revolução).
  • Há um risco na possibilidade de intervenção estatal na esfera privada: o da intervenção em outras formas de relacionamento familiar – LGBT, por exemplo.
  • Mesmo o direito ao aborto é visto por algumas feministas como maléfico por permitir aos homens se livrar das consequências reprodutivas da relação sexual.

 

ALGUMAS CONCLUSÕES:

“A pluralidade democrática depende da garantia do espaço para o florescimento de identidades baseadas em crenças e práticas distintas”

“A garantia da privacidade depende da crítica à dualidade convencional entre o público e o privado” e da crítica “às desigualdades de gênero a que esta realidade tem correspondido”.

Sugestão de autoras para leitura:

  • Valerie Solanas (Scum manifesto)
  • Julie Falket
  • Monique Wittig (Amazonas)
  • Helleieth Saffioti (livro “Gênero, Patriarcado, Violência”)