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Ata da reunião de 27/11/2017 – Vozes com Thais Montanari

A edição de Vozes de hoje recebeu a compositora e pesquisadora Thais Montanari. Thais se graduou na UFMG, fez Mestrado na Universidade de Montreal e está fazendo Doutorado na mesma instituição, no Canadá. Seu projeto envolve outras mulheres e outras vertentes artísticas. Trabalha, entre outros, com questões de gênero na música, pensando a relação entre espaços públicos e mulheres na sociedade.

Durante a graduação, Thaís formou um grupo para trabalhar composição. No Mestrado, ela passou a se interessar mais por trabalhos engajados, querendo atuar artisticamente em prol de causas sociais. Aliar imagens visuais, como em documentários, a sons e ao fazer musical. Sair da performance tradicional mais distante do público. Foram 2 anos de muito questionamento.

No Doutorado, ela tem trabalhado em torno de 4 ideias:

  1. Criação conjunta com intérpretes, num espaço em que possam discutir também questões não musicais.
  2. Como buscar espaços acessíveis para entrar em contato com públicos mais diversificados, que não necessariamente frequentam salas de concerto, museus, etc.
  3. Projetor interdisciplinares. Conhecer dispositivos capazes de servir a músicos e artistas de outras áreas.
  4. Notações possíveis para ilustrar as ideias musicais.

Obras

“Ser Ruído”. Foi composta durante o Bacharelado em composição. Para esta peça Thaís gravou sons da cidade (Belo Horizonte) e integrou com sons de instrumentos acústicos tocados por um grupo formado com colegas. Foi produzido um vídeo, fragmentado, que projetava um texto da compositora, bem como outras imagens visuais, em vários canais. A obra foi apresentada num espaço de Belo Horizonte, em que o público ficava em volta e havia interação entre o mesmo e os e as musicistas.

“Plug”. Utiliza Facebook, youtube, celular e outras tecnologias atuais. Estas atuam junto à performance de instrumentos acústicos.

Projeto atual: “Eu não sou um espaço público”. Envolve 7 musicistas, cada uma criando um solo de 6 a 7 minutos. Destas 7 performances e personagens ela pretende fazer uma só obra.

Thaís quer discutir a questão da mulher ser vista como espaço público, a vulnerabilidade, o fácil acesso e o desrespeito das pessoas em relação à mulher. Ela tem estudado muito os espaços públicos, o que a faz pensar no modo capitalista com que os espaços são pensados.

 

Processos

Para a criação de “Eu não sou um espaço público”, Thais discutiu com as musicistas de seu grupo de trabalho a ideia de ser personagem em diversas situações do cotidiano. Como ela está em Montreal, as experiências narradas pelas integrantes são muito distantes entre si e muito diversas da experiência que ela conheceu no Brasil. Há um certo choque cultural. Juntar estas 7 pessoas tão diferentes é um dos desafios do trabalho. Há também uma cineasta trabalhando no projeto.

A escolha das intérpretes e da cineasta se deu durante o Doutorado, em disciplinas destinadas a integrar compositores e intérpretes. A dificuldade dela foi se deparar com outros interesses, outras ideias, o que também gerou crises ocasionais que tiveram que ser trabalhadas e amadurecidas.

O contato compositora e intérpretes se deu sem hierarquia entre as partes. Thaís respeita muito a relação de instrumentistas com seus instrumentos e acatou as ideias das musicistas em relação a isto. Segundo ela, todas são muito criativas e não ficaram esperando comandos para atuar. A obra tem muito da personalidade de cada uma.

Além das filmagens das intérpretes tocando e improvisando, Thais também utiliza outras imagens delas em lugares diversos, espaços públicos. Ela também filma alguns espaços sem atores. Tudo isso será mixado e editado para um vídeo final. O processo é de colagem, e também de reciclagem. A compositora faz uma espécie de orquestração de todas as ideias trazidas pelas intérpretes. A cineasta escolhe os enquadramentos e pontos ligados à projeção. A obra discute a atuação da mulher em vários espaços públicos, mesmo os mais “privados” como as redes sociais, as lojas, etc.

Notação

Thais elabora guias, que ela chama de partitura-texto, em suas criações em geral. Nestas partituras coloca itens que as (os) intérpretes devem pensar e discutir para elaborar suas peças. No caso da obra “Eu não sou um espaço público”, Thais comenta que o clima de Montreal interfere nas decisões, pois pouco se pode atuar em espaços abertos nas estações mais frias. Alguns itens do “guia” para esta obra são provocações para as musicistas, como como elas se sentiriam em determinados lugares, situações, etc.

Não há partituras individuais, há mais um registro geral da compositora, em que ela “transcreve” alguns dos procedimentos feitos pelas musicistas.

Compositora e intérprete

Thais participa de suas peças, também, como intérprete. Isto faz com que seja um pouco difícil que suas peças sejam reproduzidas na sua ausência. Ela atua como criadora, mas também como motor propulsor de suas obras. Gosta de desconstruir a ideia de compositor (a) que tolhe os (as) intérpretes, mesmo porque ela nem sempre tem ideias a priori na composição.

Esta visão de criador (a) que cria uma partitura estanque foi um dos embates que ela encontrou durante o curso de graduação. Por outro lado, concorda que muitos intérpretes queiram este direcionamento. Para isso, ela procura trabalhar com musicistas abertos (as) a este tipo e proposta.

Doutorado no Canadá

Como resultado de sua pesquisa de Doutorado, Thais deve escrever o processo de criação, gravação e registro de seu projeto. Neste momento ela está trabalhando com uma musicóloga para embasar esta experiência.

Alguns tópicos de sua pesquisa, como a discussão da necessidade de espaços específicos para a música acadêmica, geraram polêmica no âmbito da universidade. Por esta razão, ela e seu orientador procuraram uma co-orientação na área musicológica.

Outros projetos

Thais quer também discutir musicalmente a atuação da mídia na formação de cabeças pela repetição exaustiva de certos assuntos e pontos de vista. Ela apresentou uma versão de seu novo trabalho, “Brain washed brain dead” em Belo Horizonte, com 2 músicos que ela já conhecia, e em Bogotá, com duas musicistas que ela conheceu lá.

Em Bogotá ela achou muito positiva a oportunidade de, motivada pela música, poder discutir assuntos que ela estava interessada, como o plebiscito que tinha ocorrido pouco tempo antes de sua chegada à Colômbia. Ela mostrou um trecho do vídeo deste trabalho.

Influências

John Cage, pela liberdade e coragem. Luc Ferrari, pelos procedimentos de unir sons e ruídos. Mas, mais do que pessoas, Thais tem se interessado por instalações sonoras e por improvisações.

Para sobreviver

A compositora tem trabalhado em montagens de festivais, tanto na logística como na montagem de peças. Ela se deparou com a realidade de que no Brasil, as mulheres não penetram estes lugares, isto não é uma opção.

Ela percebe que há barreiras de gênero nestas profissões, o que acaba gerando uma dependência das compositoras e intérpretes em relação às atividades técnicas da música. Thais se encontrou nestas atividades, o que lhe era impossível quando morava no Brasil. Ela dava aulas para crianças, embora não pensasse em fazer isso profissionalmente por muito mais tempo.

Dilemas da profissão

Determinadas dificuldades às vezes colocam Thais em crise sobre a criação musical. O contato com intérpretes, que ela preza, a coloca, às vezes, em uma situação de dependência que dificulta a execução de certos projetos. Em relação à dança ou outras artes, ela acha que na música as coisas são mais difíceis de acontecer. Ela encontra mais resistência por parte de intérpretes do que ela pensa que exista em outras áreas.

Na sua concepção, a eletrônica não substitui o contato com musicistas.